Definição e Origem Histórica do Vício
Os primeiros
relatos de vício como algo danoso vêm do Oriente e datam do século 16, em
livros sobre o uso de ópio. Neles, havia uma vaga concepção de “perda de
controle voluntário do hábito”, que mais tarde no Ocidente seria chamada de
“abuso”. A ideia do vício como doença é construção do século 19.
Antes disso, não existia uma entidade médica que o designasse. Ficar de porre
todos os dias, por exemplo, não era visto como enfermidade. No máximo o bebum
era alguém mau-caráter ou a quem faltava autocontrole, mas não existia uma
palavra para a compulsão pela bebida. Nem por qualquer outra coisa.
O alcoólatra só
veio ser chamado assim em 1804, quando Thomas Trotter publicou oEssay Medical,
Philosophical and Chemical on Drunkeness, que chamou a atenção
mundial para a condição patológica à qual o viciado estava submetido. Pouco
tempo depois, houve uma confluência política, cultural e social que fez do
vício o que conhecemos hoje: uma condição primária, crônica, com fatores
genéticos, psicológicos e ambientais, caracterizada por comportamentos que
incluem falta de controle e busca compulsiva e continuada (apesar de danos
visíveis) pelo prazer momentâneo; hábito que fere o viciado ou os que com ele
convive, a perda do controle sobre o próprio comportamento.
O termo “Adição” (addiction,
em inglês) deriva da palavra latina que designava, no Roma antiga, o cidadão
livre que fora reduzido à escravidão por dívidas não pagas. A edição atual do
DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) evita o
termo pelo estigma que ele traz consigo.
Qual a causa do vício?
Há fatores de risco, como situação econômica, conflitos
familiares, estresse etc. Mas de todas as coisas que eu falar aqui, a que tenho
mais certeza é de que um vício não se forma de um único fator, que ele é
resultado de uma combinação de elementos.
Há, na camada mais
básica, o fator genético envolvido [Glantz, M. & Pickens R.Vulnerability
to Drug Abuse. Washington, DC: American Psychological Association]. Estudos
comprovam que é mais fácil se tornar viciado quando se tem algum parente
próximo que sofra do mesmo mal. Mas pessoas que têm forte história
familiar podem não se viciar, portanto, o critério da Genética sozinho não
consegue explicar a adição.
Depois se tem o componente psicológico. Freud foi o primeiro a
descrever o papel do vício no que ele chamava de “Economia da Libido”, a força
vital que nos move, segundo seu pensamento. Para ele, era o caminho mais rápido
para obtenção de prazer e afastamento da dor. Em suas palavras,
“O serviço prestado pelos veículos
intoxicantes na luta pela felicidade e no afastamento da desgraça é tão
altamente apreciado como um benefício, que tanto indivíduos quanto povos lhes
concederam um lugar permanente na economia de sua libido”.
O comportamento
aditivo ocorre dentro de um contexto social (casa, bairro, comunidade,
escola, trabalho) que influencia diretamente no desenvolvimento de problemas
com o abuso de substâncias. Pessoas que experimentam preconceito, discriminação
ou marginalização devida à cultura, à raça, à identidade sexual ou a outros
fatores, como estresse e pressão no trabalho, tendem a encontrar uma saída para
lidar com sentimentos de trauma ou isolamento social e acabam caindo na adição.
Há ainda estudos que relacionam transtornos mentais (como depressão e
ansiedade) em algum momento da vida com o abuso de substâncias. Mais da metade
dos viciados tem problemas mentais associados.
Mas nem tudo está
perdido. Há os fatores protetores. Ter um papel na sociedade, laços familiares
fortes, metas e sonhos faz com que as chances de se viciar diminuam. Era de se
esperar.
A Interação do Cérebro com o Vício
O cérebro tende a
manter aquilo que faz bem, que dá prazer. Pessoas usam álcool e drogas, por
exemplo, para se sentir bem. É uma troca rápida de recompensas e isso as faz repetir a
dose. Todas as substâncias e comportamentos com poder aditivo estimulam a
liberação de dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer, especialmente na via mesolímbica.
Coisas diárias como
comer, beber ou fazer sexo liberam a tal dopamina. Todas elas têm chances de
virar vício, mas há aquelas substâncias que causam um tsunami de dopamina no
pobre do cérebro, causando desequilíbrio. Ele,
então, desenvolve tolerância a tanta dopamina, o que pede doses maiores
e diminui o estoque do neurotransmissor, causa da sensação de abstinência
quando não se tem o estímulo que causou o desequilíbrio.
Quando menos se
espera, já se está viciado.
A Saída
Todos aqueles que
se percebem como viciados são candidatos à cura. Daí a primeira pergunta sempre
é “Como eu posso mudar de vida?”.
Mudança é a chave.
Para alguns, a
resposta vem sozinha e de maneira natural; mas para outros, ajuda externa é
necessária, porque não existe uma abordagem universal para o tratamento do
vício. Infelizmente.
Cada um precisa de
ferramentas específicas para lidar e vencer a luta contra o vício. A maneira
menos difícil de encontrá-las é identificando o tipo de problema e o
que o causou. Depois é só caminhar no sentido inverso. Isso pode requerer
ajuda profissional, em alguns casos.
Mas há a boa
notícia. É possível se curar sozinho, meu amigo.
Comece explorando
as causas que te fizeram começar o que hoje é um vício, planeje metas para
redução da frequência do uso ou hábito. Somada a isso, aqui vai uma dica
valiosíssima: não vá direto contra a correnteza, mas nade na diagonal.
Ou seja, não mude radicalmente (porque muito possivelmente haverá uma recaída),
mas comece com pequenas mudanças e vá avançando até ter o controle.
A Mudança
Ela é mandatória
para quem quer se livrar do vício. É normal sentir-se inseguro quanto a isso.
Ninguém tem um manual de como mudar. Como dizia CS Lewis,
o próprio ir faz o caminho.
Eu acredito
nele.
Portanto, não siga
padrões pré-estabelecidos. Encontre seu próprio caminho, depois siga estas
estratégias práticas para a mudança e a manutenção dela:
1. Se você não tem certeza de
que vai mudar, não desespere. Anote as vezes que você não conseguir e voltar ao
vício e escreva onde você estava, como você estava se sentindo no momento e com
quem você estava. Isso vai dar uma clareada sobre a importância do vício em sua
vida. Você vai ver que ele não é tão importante assim;
2. Pergunte a amigos ou familiares sobre como
eles se sentem em relação ao seu vício;
3. Escreva os prós e contras da mudança em sua
vida;
4. Seja sincero consigo mesmo e avalie de modo
racional o que você vai precisar para mudar;
5. Pense no que é mais importante para você.
Mais cedo ou mais tarde vai ser preciso escolher entre a mudança ou o vício;
6. Organize metas;
7. Procure suporte de outros;
8. Continue a se lembrar do porquê de ter
começado a mudança;
9. Dê a você mesmo recompensas por ter mudado
(claro que com coisas que não tenham a ver com seu vício).
Recuperação e Prevenção de Recaída
Ninguém se torna
viciado porque quer. Mas isso não significa uma via de mão única. Em geral,
recuperação é a soma dos pequenos passos nos quais se baseia o controle do
comportamento próprio. Para se recuperar, as pessoas precisam aprender a lidar
com elas mesmas, a acreditar nelas mesmas. É preciso estar preparado para o
tranco da falta e abstinência, estar determinado. Isso leva tempo, meu caro.
Acostume-se com a ideia que não vai da noite para o dia.
A meta do
tratamento é não ter recaídas. O mais difícil. É parte do processo de
recuperação a vontade de voltar ao vício. Mesmo depois de anos do vício
vencido, há uma coisa chamada fissura, uma sensação desesperadora de voltar ao
vício. A boa notícia é que ela dura por volta de um minuto (eu sei que para
quem está sentindo é quase uma eternidade) e desaparece em seguida. Ter a
fissura significa que se está no final do processo de detox, não desista.
Para lidar com
vícios é preciso coragem, sobretudo para ser soberano sobre si próprio. A
jornada pode parecer longa, mas ninguém disse que seria impossível.
Fonte : https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6207018937063979864#editor/target=post;postID=546308366653350956